sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

“Homicídio sem cadáver” e decisão de pronúncia: possibilidade




Muita se fala e se discute acerca da possibilidade de ser processado, pronunciado e, ao final, condenado acusado de ter cometido crime de homicídio quando não há o encontro do corpo, ou seja, quando não há prova direta da materialidade do crime (homicídio sem cadáver).
O presente artigo tem por escopo analisar com breves considerações tal situação e apontar a possibilidade da existência de ação penal e consequente pronúncia de acusado que responde pelo crime de homicídio mesmo sem que seja encontrado o corpo da vítima, sendo o fato julgado pelo corpo de jurados do Tribunal do Júri.
Antes de tudo, cabe salientar que a decisão de pronúncia trata-se de simples juízo de admissibilidade da acusação, devendo o julgador, em sua análise, restar limitado à existência de prova da materialidade do delito e suficientes indícios de sua autoria, não necessitando exame aprofundado da prova (o que deverá ser feito pelos juízes leigos, os jurados, que serão os juízes naturais da causa).
Como se sabe, a decisão interlocutória de pronúncia não é decisão de mérito, mas sim de caráter processual, e encerra a primeira fase dos processos de competência do Tribunal do Júri.
Acontece que em alguns (não raros) casos de homicídio tem-se a situação na qual o objeto material jamais foi localizado, ou seja, o cadáver da vítima nunca foi encontrado. Este aspecto, para alguns, desde logo, faz com que seja imperativa a decisão de impronúncia, já que, sem o exame de corpo de delito direto (exame necropsia), não haveria como se comprovar a existência do crime.
Por óbvio, o aspecto apontado confere alguma complexidade aos casos.
O ponto a ser analisado diz respeito exatamente à questão da prova da materialidade e sua determinação, na hipótese vertente.
Preceitua a norma do artigo 413 do Código de Processo Penal o que segue:
“Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.” (grifou-se)
Mas como se prova a materialidade de um homicídio? Em regra, com o laudo pericial que demonstre a ocorrência do crime (necropsia).
Entretanto, é possível chegar-se à materialidade também com o auxílio de outras provas, especialmente a testemunhal, conforme se aduz do artigo 167 do Código de Processo Penal:
“Art. 167.  Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.” (grifou-se)
Tal como afirma o Professor Cezar Roberto Bittencourt, em seu Tratado de Direito Penal, existem “três formas de comprovar a materialidade dos crimes que deixam vestígios, quais sejam: exame de corpo de delito direto, exame de corpo de delito indireto e prova testemunhal”.[1] (grifou-se)
Na mesma esteira, explicita a doutrina de Julio Fabbrini Mirabete que “a prova do homicídio é fornecida pelo laudo de exame de corpo de delito necroscópico. Quando não é possível o exame direto (o corpo da vítima não é encontrado ou desaparece) permite-se a constituição do corpo de delito indireto por testemunhas, por exemplo, não o suprindo a simples confissão do agente”[2] (grifou-se)
Assim, em casos nos quais há impossibilidade física de realização do exame de corpo de delito, uma vez que não localizado o corpo da vítima, bem como impraticável a realização de exame indireto, em que há sempre um juízo de valor feito pelos peritos, algo que não ocorre com a prova testemunhal supletiva, para a comprovação da existência do fato resta, tão-somente, a possibilidade da prova testemunhal, que, se houver, poderá suprir o exame de corpo de delito, direto ou indireto (art. 167 do Código de Processo Penal).
Desse modo, havendo nos autos elementos probatório que convençam o magistrado da existência do crime, mesmo que seja prova testemunhal, cabível a decisão de pronúncia, a qual levará o acusado a julgamento pelo Tribunal do Júri.
Ou seja, tendo em conta que a decisão interlocutória de pronúncia não se trata de condenação, basta o convencimento da existência do crime  e a existência de indícios suficientes de autoria delitiva, para que a decisão seja encaminhada aos jurado.
Cabe mencionar que a jurisprudência dá amparo à pronúncia mesmo quando não há prova direta da materialidade do crime de homicídio e tem aceito a prova da materialidade baseada em prova testemunhal.
O Supremo Tribunal Federal, em decisão de lavra do Ministro Carlos Veloso, entende que na ausência do corpo de delito, mas havendo indícios veementes da existência do crime e da autoria, as dúvidas quanto à certeza do crime e da autoria deverão ser dirimidas durante o julgamento pelo Tribunal do Júri:
“PENAL. PROCESSUAL PENAL. “HABEAS CORPUS”. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. TRIBUNAL DO JÚRI. CORPO DE DELITO: AUSÊNCIA. INDÍCIOS VEEMENTES DA EXISTÊNCIA DO CRIME E DA AUTORIA. CPP, art.408.I. - Por ser a pronúncia mero juízo de admissibilidade da acusação, não é necessária prova incontroversa do crime, para que o réu seja pronunciado. As dúvidas quanto à certeza do crime e da autoria deverão ser dirimidas durante o julgamento pelo Tribunal do Júri. Precedentes do STF. II. – H.C. indeferido”.
III. (HC n° 73522/MG – STF - DJ 26/04/96) (grifou-se)
Na mesma linha, entendem o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
“CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. OCULTAÇÃO DE CADÁVER. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. AUSÊNCIA DE LAUDO COMPROBATÓRIO DA MATERIALIDADE. IRRELEVÂNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO DEMONSTRADA. ORDEM DENEGADA. I. Havendo nos autos outros meios de provas capazes de levar ao convencimento do julgador, não há falar em nulidade processual por ausência do exame de corpo de delito. II. A impetração não conseguiu ilidir a prova da materialidade nem os indícios de autoria, não restando evidenciada qualquer ausência de suporte probatório para o oferecimento da exordial acusatória. III. O trancamento da ação penal, por falta de justa causa, só é possível quando, de pronto, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, evidenciar-se a atipicidade do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade, hipóteses não verificadas no caso dos autos. IV. Ordem denegada.” (HC n.º 39788-ES. STJ) (grifou-se)“REVISÃO CRIMINAL. - O requerente busca o reexame da condenação sem apresentar prova nova, alegando a precariedade da prova que ensejou sua condenação. Não é possível tratar a Revisão Criminal como uma segunda apelação. Precedentes. - Do voto do eminente Desembargador MANUEL JOSÉ MARTINEZ LUCAS, quando do julgamento do apelo, se constata claramente que a manutenção da condenação tem apoio em elementos de prova que constam dos autos. - Lembramos, quanto ao tema (''Prova da materialidade do homicídio''), passagem das lições do mestre HUNGRIA (''Será possível o êxito de um processo penal por crime de homicídio sem que apareça o cadáver da vítima? Dizia CARRARA: "Não se pode afirmar que existe crime de homicídio, enquanto não esteja averiguado que um homem tenha sido morto por obra de outro. E não se pode dizer que um homem haja morrido, enquanto não se encontra o seu cadáver ou, pelo menos, os restos deste, devidamente reconhecidos." Tal critério é demasiadamente rigoroso, e poderia, na sua irrestrição, conduzir à impunidade de manifestos autores de homicídio. Haja vista o caso citado por IRURETA GOYENA: dois indivíduos, dentro de uma barca no rio Uruguai, foram vistos a lutar renhidamente, tendo sido um deles atirado pelo outro à correnteza, para não mais aparecer. Foram baldadas as pesquisas para o encontro do cadáver. Ora, se, não obstante a falta do cadáver, as circunstâncias eram de molde a excluir outra hipótese que não fosse a da morte da vítima, seria intolerável deixar-se de reconhecer, em tal caso, o crime de homicídio. Faltava a certeza física, mas havia a absoluta certeza moral da existência do homicídio. Conforme justamente observa GOYENA, não se deve confundir o "corpo de delito" com o "corpo da vítima", e para a comprovação do primeiro basta a certeza moral sobre a ocorrência do evento constitutivo do crime.''). - Por outro lado, a alegação de insuficiência de provas não dá ensejo a revisão. Precedentes. - Tratando-se de processo da competência do Júri, não podemos olvidar da posição defendida pelo eminente DESEMBARGADOR IVAIR NOGUEIRA ITAGIBA, apoiada pelo ilustrado DESEMBARGADOR NELSON HUNGRIA, quando da discussão que resultou na aprovação da Conclusão XLV, da Conferência dos Desembargadores (in CÓDIGO DE PROCESSO PENAL BRASILEIRO ANOTADO, EDUARDO ESPÍNOLA FILHO, edição histórica, Tomo II, Vol VI, pág. 135, Editora Rio). REVISÃO CRIMINAL IMPROCEDENTE.” (Revisão Criminal Nº 70017801481, Primeiro Grupo de Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio de Oliveira Canosa, Julgado em 03/08/2007) (grifou-se)
“CÓDIGO PENAL. ART. 121, § 2°, INC. II E III DO CP. HOMICÍDIO QUALIFICADO. MOTIVO FÚTIL E MEIO CRUEL. [...] Prova suficiente de que o corpo da vítima foi jogado, com o intuito de garantir a impunidade, em uma sanga, ou seja, com o objetivo de evitar ou dificultar sua descoberta e a investigação do crime. PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÃO MINISTERIAL PROVIDA, EM PARTE, PARA AUMENTAR A PENA. UNÂNIME. APELO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO. POR MAIORIA.” (Apelação Crime Nº 70016163941, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em 11/10/2006) (grifou-se)
“APELAÇÃO CRIME. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO CONTRA DESCENDENTE, OCULTAÇÃO DE CADÁVER E ABANDONO DE MENOR. A materialidade, na falta do corpo de delito, pode ser comprovada pela prova testemunhal. Inteligência do art. 167 do Código de Processo Penal. [...]” (Apelação Crime Nº 70013588066, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Manuel José Martinez Lucas, Julgado em 29/03/2006) (grifou-se)
Em conclusão, a partir da breve argumentação acima lançada, verifica-se que é possível sim o processamento de ação penal, a pronunciação (pelo magistrado) e até mesmo a condenação (pelo Tribunal do Júri) de acusado pela prática de crime de homicídio mesmo sem que seja encontrado o corpo da vítima.
 
                                                                                   Flávio Augusto Oliveira Karam Jr

SEM CORPO NÃO HÁ CRIME, POIS QUAL SERIA A CERTEZA DA MORTE?



O que se tem mais ouvido nos últimos dias é esta frase indagatória:

Sem corpo não há crime, pois qual seria a certeza da morte?

Muitos profissionais da área do direito continuarão se amparando em aspectos que inviabilizem a propositura de uma ação penal contra um acusado, sustentando que sem o corpo não existe prova da morte ou, ainda que se tivesse a morte como certa, não se poderia investigar as suas causas determinantes. Logo, como saber se houve um homicídio? E se após a condenação do suposto autor o “morto” aparecer vivo?
Sempre digo que, que cada caso tem suas particularidades. De fato o exame de corpo de delito é importante, porém não imprescindível para a comprovação do crime, podendo ser suprido por outros elementos, tal como exames de DNA comparando amostras de sangue encontrado no suposto local dos crimes com material colhido de familiares das vítimas, principalmente com o avanço tecnológico e, também, da medicina legal que caminha a passos largos. Assistir, hoje, a um episódio do seriado norte americano CSI não é se entreter, somente, com uma simples ficção, mas realidade atual pura.
Muitos sustentam ser plenamente possível a ocorrência de um crime de homicídio sem cadáver. Pois, mesmo não sendo encontrado o cadáver, não se pode dizer que o objeto material o crime não existe. Ele existe, somente não foi localizado. É claro que para a ocorrência do homicídio é necessário a existência de um corpo sem vida. Se não há corpo sem vida, não há crime. O que pode acontecer é que, mesmo existindo o corpo, este não foi encontrado mas o crime pode, perfeitamente existir.
A maioria, porém acredita que não é possível haver crime de homicídio sem cadáver. O crime de homicídio é um crime material, ou seja, que exige uma conduta e um resultado naturalístico resultante desta conduta. Por se tratar de um crime material, a sua prova exige, além da autoria, a "materialidade delitiva". A materialidade delitiva do homicídio só se prova com a ocorrência da morte de uma pessoa, o que exige, inevitavelmente, uma análise no corpo da pessoa. Portanto, se não há como provar a ocorrência, inequívoca, da morte da vítima, também não se pode falar em homicídio.
Ocorre, também, não haver dúvidas de que pode haver o oferecimento da denúncia, da pronúncia e até mesmo condenação pelo Tribunal do Júri nos casos de crimes contra a vida, sejam tentados ou consumados, sem que o corpo da vítima seja localizado. Para que isso ocorra a prova testemunhal é suficiente. Todavia, a lei é clara no sentido em que a confissão do réu não pode suprir o exame de corpo de delito, direto ou indireto (art. 158, parte final, CPP). A única fórmula legal válida para preencher a sua falta é a colheita de depoimentos de testemunhas, nos termos do art. 167: "Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta".
Apesar de, a confissão ser a chamada “rainha das provas”, a legislação impede que se possa suprir o exame de corpo de delito, pois sabido a fragilidade da confissão como meio de prova de admissibilidade de culpa pelas inúmeras razões que podem fazer com que uma pessoa confesse falsa ou erroneamente, um crime ou sua participação dele, por pressão, física ou psicológica, colocando em grave risco a segurança exigida pelo processo penal. Assim, ilustrando, se o cadáver, no caso do homicídio, desapareceu, ainda que o réu confesse ter matado a vítima, não havendo exame de corpo de delito, nem tampouco prova testemunhal, não se pode punir o autor. A confissão isolada não presta para comprovar a existência das infrações que deixam vestígios materiais.
Sem o cadáver, como então levar a Júri os suspeitos de um crime?
Vejamos o que diz a lei:
Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008
O embate no Tribunal do Júri já são outros quinhentos.......


                                                                                    Usama Muhammad Samara   

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O Misterioso Desaparecimento da Condessa Dana Edita Fischerowa de Teffé


Nascida na Tchecoeslováquia, território europeu que compreende atualmente dois países:  a República Tcheca (Česká Republika) e a Eslováquia (Slovenská republika) Dana Edita Fischerowa de Teffé era de origem judaica. Pertencia ela a uma rica  família de Praga  (em tcheco Praha) e recebeu excelente educação. Versada em línguas, dominava fluentemente seis idiomas. No campo das artes, especializou-se em dança, obtendo formação clássica em ballet.
Desde há muito tempo havia no antigo Reino da Boêmia ( Čechy  em língua tcheca e Böhmen em língua alemã) uma expressiva e próspera comunidade judaica. Tamanho era o seu prestígio e enorme a sua influência que, no ano de 1354, o rei Karel IV , da dinastia dos Luxemburgos, Rei da Boêmia e Imperador Romano, concedeu à comunidade judaica de Praga o privilégio de ter sua
própria bandeira, correntemente chamada de Bandeira do Rei Davi.  Entretanto, quase quinhentos anos depois de obter este privilégio, a situação do povo judeu mudou rápida e drasticamente. Em março de 1939, as tropas de Hitler ocupam a Morávia e a área que fora o antigo Reino da Boêmia (atual República Tcheca),  anexando-a ao Terceiro Reich com o nome de Protetorado Alemão da Boêmia e Moravia.
Depois de séculos, com a invasão alemã, tudo mudou. As perseguições implacáveis movidas pelos nazistas contra a comunidade judaica da Tchecoeslováquia, inauguraram uma época de terror em toda a Europa.  A esse tempo,  Dana Fischerowa era estudante do Liceu em Praga e, como outros tantos tiveram que fazê-lo, em busca da sobrevivência,  partiu em desesperada fuga. Consta que Dana, atravessou com êxito o território de diversos países europeus e, chegando à Itália, ingressou como bailarina na companhia de revista de Odoardo Spadaro, ator, cantor e compositor italiano de prestígio internacional.
Em arte, Dana Edita Fischerowa adotou o nome de Dana Harlova passando a apresentar-se publicamente nos musicais da companhia de Spadaro. É a este tempo que Dana conhece Ettori Muti,  Tenente-Coronel da Força Aérea Real,  e também um político,  muitíssimo popular na Itália e cujos os feitos militares lhe  valeram o tratamento e o prestígio de herói nacional, além  do agraciamento com elevadas condecorações,  dente elas: a  Medalha de Ouro ao Valor Militar e a Ordem Militar de Savoia.  Muti era membro do movimento facista, desde os seus primórdios, e ocupou destacada posição na hierarquia do Partido Nacional Facista (em italiano, Partito Nazionale Fascista).  
Ettori Muti era casado com Fernanda Mazzotti, filha de um banqueiro que não concordava com o casamento. O casal teve uma filha de nome Diana.  Neste contexto de querelas familiares, Muti conhece e encanta-se por Dana.  Linda, culta e sofisticada, não é de se admirar que ela tenha exercido enorme fascínio sobre ele. Por sua vez, Mutti era um tipo marcial, imponente e heróico e, certamente, Dana Fischerowa encantou-se por ele. Nascia ali uma paixão arrebatadora. O rompimento do vínculo matrimonial de Muti era inevitável. Eles, então, passaram a conviver juntos.
Em agosto de 1943,  Ettori Muti é assassinado em Fregene, nas cercanias de Roma, em  circunstâncias ainda hoje pouco esclarecidas. Este crime é considerado o primeiro crime de Estado, após o facismo.
Após a morte de Ettori, Dana Edita Fischerowa casa-se com o diplomata brasileiro Manuel de Teffé von Hoonholtz, cuja linhagem é nobiliarquicamente titulada pelo Império do Brasil ( Barões de Teffé,  com Honras de Grandeza do Império) e pelo Reino da Prússia (Condes Von Hoonholtz).  Manuel de Teffé era diplomata e seu pai foi Embaixador do Brasil em Roma. Ele tinha por hobby o automobilismo e foi o principal responsável pela realização do Circuito da Gárvea.
Em 1951, o casal viaja para o Brasil e passa a residir na cidade do Rio de Janeiro, então Capital da República. O casal mantém, na Cidade Maravilhosa, uma efetiva participação nos principais eventos da alta sociedade. Com seus encantos de mulher bonita e culta, Dana de Teffé conquista a admiração da aristocracia brasileira e de outras camadas sociais, sendo freqüentemente mencionada nas colunas e noticiários dos mais importantes veículos de comunicação do País.
Tempos depois, o casal separa-se. Dana Fischerowa, na partilha de bens, recebe considerável fortuna em dinheiro, imóveis, títulos, jóias e ações. Mas, segundo Leopoldo Heitor de Andrade Mendes, em sua obra "Da Cortina de Ferro ao Inferno Verde”,  Ettori Muti havia legado,  à Dana Edita Fischerowa,  uma herança testamentária correspondente a uma grande fortuna.  Certamente, o patrimônio desta  bela mulher era, no mínimo, invejável.
A 29 de junho do ano de 1961, a condessa Dana Edita Fischerowa de Teffé desaparece misteriosamente. A milionária, segundo seu advogado, Leopoldo Heitor de Andrade Mendes, havia sido seqüestrada quando seguia em sua companhia em viagem do Rio de Janeiro para São Paulo.  Supostamente, Dana se empregaria na Olivetti. Ambos teriam sofrido um assalto, resultando no seu seqüestro. O advogado afirmou às autoridades que Dana, quando seqüestrada, estava grávida.  Leopoldo Heitor chegou a apresentar três versões para o sumiço de Dana. Entre 1963 e 1971, o advogado enfrentou quatro julgamentos. Finalmente, foi absolvido por júri popular. Contudo, é consenso geral, que ele matou Dana de Teffé para roubar seus bens.

Em 2003, a juíza Flávia Viveiros de Castro, da 1ª Vara Cìvel da Capital (Rio de Janeiro) determinou que a TV Globo fosse impedida de veicular no programa Linha Direta/Justiça o caso de Leopoldo Heitor de Andrade, acusado pelo desaparecimento de Dana de Teffé, há 40 anos. Se a emissora não cumprisse a decisão, pagaria então uma multa de R$ 10 milhões à família de Leopoldo Heitor, falecido em 2001. O episódio foi protagonizado pela atriz Cláudia Provedel.
O caso Dana de Teffé ainda permanece como um mistério. O jornalista e cronista Carlos Heitor Cony, costuma referir-se ao caso em sua coluna no jornal Folha de São Paulo,  onde indaga, eventualmente, " Onde estão os ossos de Dana de Teffé ". Com esta indagação o cronista se refere aos caos insolúveis no Brasil.  .
Em 2011, competar-se-á cinquenta anos do desaparecimento de Dana Teffé.



Referência Bibliográfica:
MENDES, Leopoldo Heitor de Andrade. Da Cortina de Ferro ao Inferno Verde. Ed. Equador, Rio de Janeiro, 1969.

Caso Bruno: existe homicídio sem cadáver?

Dentre tantas outras interrogações e controvérsias que o caso do goleiro Bruno está gerando, cabe recordar a seguinte: existe homicídio sem cadáver? A defesa certamente dirá que não. A promotoria vai dizer o contrário. Os jurados, no final, é que dirão sim ou não. 
Eduardo Cabette, no seu livro Homicídio sem cadáver, p. 63-64, recorda que a série de documentários intitulada “Detetives Médicos”, do canal por assinatura “Discovery Chanel”, certa vez narrou um episódio ocorrido nos Estados Unidos onde um marido matou a própria esposa, a cortou em pedaços, ensacou em sacos plásticos e a conduziu até à beira de um rio. Ali a colocou numa picadeira de feno e, aos poucos, com o jato voltado para o rio, foi se livrando totalmente do cadáver. Com o sumiço da vítima e a desconfiança dos sogros, a polícia passou a investigar e suspeitou do fato de o autor possuir uma máquina picadeira de feno, sendo que não tinha animais ou mesmo propriedade rural. Feito em exame na máquina foi constatada a presença de sangue humano e comprovado tratar-se do sangue da vítima. Pressionado pelas circunstâncias, o infrator confessou o crime e indicou o local onde havia se livrado do corpo. Em uma varredura pormenorizada foi localizada uma unha da mão da vítima; submetida a exames de DNA se comprovou pertencer mesmo a ela.
Com base nessas provas analisadas em conjunto, mesmo sem um exame necroscópico, foi obtida a condenação do assassino. Este é certamente um exemplo em que os exames de corpo de delito indiretos foram capazes de suprir o exame necroscópico direto; nada justificara o rigor do “limite probatório do corpo de delito”, o qual somente geraria uma impunidade incompreensível e injustificável. (CABETTE, Eduardo. Homicídio sem cadáver - páginas 63 e 64)
Ontem indagamos no nosso blog se é possível condenar alguém por homicídio sem o corpo da vítima. Muitos se manifestaram dizendo ser possível; não foram poucos, de outro lado, os que defenderam o contrário. Tecnicamente (pela lei e pela jurisprudência brasileiras) é possível tal condenação. Se os jurados, no caso concreto, vão aceitar essa tese, é outra coisa.
O art. 158 do CPP exige, como regra, o exame de corpo de delito direto. Diante da sua impossibilidade, pode ser feito o exame de corpo de delito indireto, via testemunhas (CPP, art. 167). Uma testemunha pode ter visto o corpo da vítima e ratificar isso dentro do processo. Se não fosse possível condenar ninguém diante do desaparecimento do corpo da vítima, isso significaria impunidade generalizada. Bastaria matar a vítima e fazer desaparecer o seu corpo.
Caso não haja a possibilidade de produzir o exame de corpo de delito direto, excepcionalmente o Estado poderá valer-se do exame de corpo de delito indireto (filmagens, gravações, vestígios de sangue, prova testemunhal etc). Lembrando que filmagens, gravações, exame de sangue etc., também serão analisadas e validadas por peritos, reforçando a veracidade e legitimidade da prova.
Fica claro que, teoricamente, não podemos negar a possibilidade de uma condenação por homicídio sem que tenha sido encontrado o cadáver, mas desde que estejam presentes outros meios de prova, sobressaindo-se a testemunhal. Paralelamente a essa prova testemunhal podem existir outros indícios. No plenário do júri tudo tem que ficar muito bem esclarecido. Os jurados somente votam pela condenação quando estão convencidos. Sabem que é melhor absolver um culpado que condenar um inocente. Em casos como do goleiro Bruno é fundamental a confiança que cada parte transmite aos jurados.

                                                                      Luiz Flávio Gomes e Danilo Fernandes

É possível o 'homicídio sem cadáver'?

Na doutrina penal, uma questão de grande relevância causa tormentosa discussão: é possível o 'homicídio sem cadáver'? Melhor explicando, é possível que haja o reconhecimento da ocorrência de um crime de homicídio sem que o cadáver da vítima tenha aparecido?
"Ensina-se, em processo penal, que, quando um delito deixa vestígios (delitos não-transeuntes), é imprescindível a realização do exame de corpo de delito (artigo 158, CPP). Corpo de delito, na definição de Sérgio Demoro Hamilton, é 'aquilo que torna o crime ou a contravenção palpável, sensível, tangível, perceptível aos sentidos'. O exame de corpo de delito é o exame pericial realizado sobre o corpo de delito. No homicídio, o corpo de delito é o cadáver. Os exames de corpo de delito relacionados são a perinecroscopia (exame em local de morte violenta – artigo 6º, I, CPP) e a necropsia (exame médico-legal realizado sobre o cadáver – artigo 162, CPP). O cadáver, portanto, é a materialidade do homicídio, é a prova indubitável da ocorrência de um evento morte.
"Assim, uma interpretação rasa do artigo 158 do CPP poderia conduzir à conclusão de que não se pode imputar um crime de homicídio a alguém no caso de desaparecimento do corpo da vítima. Todavia, a questão é mais complexa.
"De acordo com doutrinadores de escol, a exigência de exame de corpo de delito em crimes não-transeuntes é uma exceção ao princípio do livre convencimento motivado, pelo qual o magistrado pode apreciar livremente o suporte probatório carreado aos autos, sem que uma prova tenha valor maior do que as demais, desde que fundamente a sua decisão. Diz o artigo 158 do CPP que nem mesmo a confissão do acusado pode suprir a falta de exame pericial. Haveria, portanto, a consagração do princípio da prova legal ou tarifada, em que uma prova se sobrepõe às demais. O magistério, contudo, não encontra suporte na Constituição Federal de 1988. Marcellus Polastri Lima, em excelente obra, sustenta que, 'se a antinomia com o sistema do livre convencimento motivado ou da persuasão racional restava evidente (aliás, a Exposição de Motivos do CPP informa que este é o princípio reitor em matéria de provas), com o novo texto constitucional deve ser repensado o valor absoluto, por muitos defendido, do exame de corpo de delito, e se realmente a confissão do acusado não poderia ser considerada pelo juízo na falta deste'. A atual Carta Magna, em seu artigo 5º, LVI, dispõe que, em processo penal, não serão admitidas as provas obtidas por meio ilícito. Ou seja, sendo lícitas, quaisquer provas podem ser admitidas para fundamentar uma decisão. A confissão do acusado, por exemplo, se obtida em conformidade com o ordenamento jurídico, pode se prestar para embasar um decreto condenatório, ainda que não haja a realização do exame de corpo de delito.
"Ademais, ainda que não se entenda pela incompatibilidade do artigo 158 do CPP com a Constituição, deve ser observado que existem dois tipos de exame de corpo de delito, segundo a lei processual: o exame direto e o indireto. No primeiro caso, a perícia é elaborada diretamente sobre o corpo de delito (por exemplo, a necropsia realizada em um cadáver). Há, por seu turno, o exame indireto quando, desaparecidos os vestígios, outra prova pode ser tomada para comprovar a materialidade do crime. É o que dispõe o artigo 167 do CPP, tratando, especificamente, da prova testemunhal (aplicável, entretanto, a qualquer outro meio de prova idôneo, como, v. g., a prova documental). O processo penal, portanto, possibilita a condenação do agente sem a produção de prova pericial direta.
"Conclui-se, destarte, que é possível a responsabilização do agente por um crime de homicídio, ainda que esteja desaparecido o cadáver da vítima. Esposamos a idéia de que a exigência de exame de corpo de delito não é compatível com a ordem constitucional vigente. Outrossim, não havendo vestígios a serem examinados (o cadáver), admitir-se-á o exame de corpo de delito indireto. Posição contrária consagraria a impunidade e privilegiaria o agente que, além de matar a vítima, ainda oculta o seu corpo, demonstrando maior reprovabilidade em seu comportamento. Em um caso concreto ocorrido no Rio de Janeiro, um casal culposamente matou a filha recém-nascida por sufocação. Como eram estrangeiros residindo ilegalmente no país, decidiram pela ocultação do cadáver da criança, que foi esquartejado, colocado em uma bolsa e atirado em uma lagoa. O crime somente foi relatado cerca de um ano depois de ocorrido, não havendo, assim, qualquer chance de se encontrar o corpo nas águas. Várias testemunhas do fato, todavia, confirmaram a morte da criança, bem como a própria mãe, ao narrar que viu o corpo enrijecido e gelado da própria filha. Parece-nos clara a hipótese de responsabilização por homicídio culposo e ocultação de cadáver (artigo 211, CP)
                                                                                     Professor Bruno Gilaberte


quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Existe homicídio sem o corpo da vítima?





São muitos os casos rumorosos no Brasil, nesse campo (não encontro do corpo da vítima). Um deles aconteceu no Rio de Janeiro, no início da década de 60 (século XX). O corpo desta vítima nunca apareceu. Ela havia acabado de se separar do embaixador brasileiro Manuel de Teffé Von Hoonholtza. Numa viagem com o advogado Leopoldo Heitor ela desapareceu. O advogado diz que ela foi sequestrada após um assalto. A suspeita pelo desaparecimento recaiu sobre ele. Ele foi julgado pelo tribunal do júri. Foi condenado num primeiro julgamento e absolvido no segundo. Cuida-se do caso Dana de Teffé (desaparecida desde o fatídico dia em que viajava com um advogado). O corpo nunca apareceu. O suspeito foi absolvido.
Há um outro caso também bastante famoso. Na comarca de Araguari-MG, dois irmãos (irmãos Naves) foram condenados injustamente por uma morte que não existiu. Quinze anos depois da condenação a vítima reapareceu. Nessa altura um deles já havia morrido dentro da prisão. Naquele episódio, ocorrido no ano de 1937, tal como esclarece Hélio Nishiyama, os irmãos Naves chegaram a ser absolvidos duas vezes pelo Tribunal do Júri, porém, após recurso da acusação, foram condenados a pena de 25 anos e 06 meses de reclusão pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (naquela época, o veredicto dos jurados não era soberano).
Há outros casos (um PM no Distrito Federal e um juiz de direito em SP, por exemplo) em que os jurados ou juízes, mesmo sem o corpo da vítima, condenaram o réu.
Nosso Código de Processo Penal (art. 167) admite a prova indireta (testemunhal) quando o corpo da vítima desaparece. Por que existe essa regra processual? Para evitar a impunidade. Se essa regra não existisse bastaria matar a vítima e fazer desaparecer o seu corpo (para se garantir a impunidade). A doutrina avaliza esse direcionamento legal (Avena, Aury Lopes Júnior, Nucci, Tucci etc.). A jurisprudência também: STJ, HC 110.642, j. 19.03.2009; STJ, HC 79.735, j. 13.11.2007; STJ, HC 51.364, j. 04.05.2006; STJ, HC 39.778, j. 05.05.2005; STJ, HC 30.471, j. 22.03.2005; STJ, HC 23.898, j. 21.11.2002.
Sintetizando: a comprovação da morte da vítima (que constitui a materialidade da infração) exige prova direta (perícia do próprio corpo). Essa é a regra. Excepcionalmente, para suprir-lhe a falta (em virtude do desaparecimento dos vestígios), a lei processual admite a prova indireta (testemunhal). Um terceiro meio probatório sozinho, isolado (outros indícios da morte: sangue, cabelo da vítima etc.), a lei não prevê. Mas junto com a prova indireta (testemunhal) pode ser que vários outros indícios sejam encontrados (e provados). Nesse caso, tais indícios reforçam a prova indireta. Esse conjunto probatório indireto + indiciário pode alcançar o patamar de uma convicção que afasta todo tipo de dúvida. Isso pode gerar condenação.
A cultura jurídica anglosaxônica e norte-americana cunhou a expressão "beyond all reasonable doubt" (para além de toda dúvida razoável). Esse é o patamar que deve ser alcançado para que se afaste a presunção de inocência (do acusado). O jogo processual (futebolisticamente falando) começa 1 x 0 para o acusado (em virtude da presunção da inocência). Somente provas válidas e convincentes derrubam esse placar. Ademais, não bastam provas que deixam dúvida. No caso de dúvida o jogo probatório fica empatado (1 x 1). E a dúvida favorece o réu (in dúbio pro reo). Para se afastar definitivamente a dúvida a prova necessita transmitir convicção razoável (ou seja: a prova precisa expressar uma convicção "beyond all reasonable daudt" - para além de toda dúvida razoável).
O dilema é o seguinte: se o desaparecimento do corpo da vítima nunca permitisse condenação, estaria garantida a impunidade (ocultando-se o cadáver). Mas condenar sem o corpo da vítima pode levar a mais um crasso erro judicial (caso dos irmãos Naves). Nem impunidade, nem erro judicial. Os extremos devem ser evitados. Mas todo cuidado é necessário.
Como podemos evitar as posições extremadas? Colhendo muitas provas técnicas. Isso é tarefa da polícia científica (que está sucateada no Brasil, em geral). No caso Eliza, por exemplo, já existem provas testemunhais (embora dúbias). Também já existiriam alguns indícios (a vítima teria passado no sítio de Bruno, teria sido levada para uma outra casa onde teria sido executada etc.). Que se pode fazer mais? Provas periciais. Luzes e reagentes (luminol, por exemplo) podem descobrir manchas de sangue (não visíveis). Testes de DNA. Provas dos registros telefônicos (não se trata da interceptação telefônica). Manchas de sangue nos carros. Uso de luzes forenses para a descoberta de pelos, cabelos, fibras de roupas, impressões digitais etc. etc.
Uma coisa é certa: se as provas técnicas não foram obtidas validamente ou se elas não forem convincentes, o resultado natural do jogo processual é a absolvição (porque in dubio pro reo). Menos declarações espalhafatosas, menos grotescos espetáculos midiáticos e mais polícia científica: esse é o caminho do justo e do razoável! Fora disso, só vamos ver mais exploração da paixão popularesca vingativa (da qual a mídia, em geral, entende bastante).


FONTE:JUS NAVIGANDI