São muitos os casos rumorosos no Brasil, nesse
campo (não encontro do corpo da vítima). Um deles aconteceu no Rio de Janeiro,
no início da década de 60 (século XX). O corpo desta vítima nunca apareceu. Ela
havia acabado de se separar do embaixador brasileiro Manuel de Teffé Von
Hoonholtza. Numa viagem com o advogado Leopoldo Heitor ela desapareceu. O
advogado diz que ela foi sequestrada após um assalto. A suspeita pelo
desaparecimento recaiu sobre ele. Ele foi julgado pelo tribunal do júri. Foi
condenado num primeiro julgamento e absolvido no segundo. Cuida-se do caso Dana
de Teffé (desaparecida desde o fatídico dia em que viajava com um advogado). O
corpo nunca apareceu. O suspeito foi absolvido.
Há um outro caso também bastante famoso. Na comarca
de Araguari-MG, dois irmãos (irmãos Naves) foram condenados injustamente por
uma morte que não existiu. Quinze anos depois da condenação a vítima
reapareceu. Nessa altura um deles já havia morrido dentro da prisão. Naquele
episódio, ocorrido no ano de 1937, tal como esclarece Hélio Nishiyama, os
irmãos Naves chegaram a ser absolvidos duas vezes pelo Tribunal do Júri, porém,
após recurso da acusação, foram condenados a pena de 25 anos e 06 meses de
reclusão pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (naquela época, o veredicto
dos jurados não era soberano).
Há outros casos (um PM no
Distrito Federal e um juiz de direito em SP, por exemplo) em que os jurados ou juízes,
mesmo sem o corpo da vítima, condenaram o réu.
Nosso Código de Processo
Penal (art. 167) admite a prova indireta (testemunhal) quando o corpo da vítima
desaparece. Por que existe essa regra processual? Para evitar a impunidade. Se
essa regra não existisse bastaria matar a vítima e fazer desaparecer o seu
corpo (para se garantir a impunidade). A doutrina avaliza esse direcionamento
legal (Avena, Aury Lopes Júnior, Nucci, Tucci etc.). A jurisprudência também:
STJ, HC 110.642, j. 19.03.2009; STJ, HC 79.735, j. 13.11.2007; STJ, HC 51.364,
j. 04.05.2006; STJ, HC 39.778, j. 05.05.2005; STJ, HC 30.471, j. 22.03.2005;
STJ, HC 23.898, j. 21.11.2002.
Sintetizando: a comprovação
da morte da vítima (que constitui a materialidade da infração) exige prova
direta (perícia do próprio corpo). Essa é a regra. Excepcionalmente, para
suprir-lhe a falta (em virtude do desaparecimento dos vestígios), a lei
processual admite a prova indireta (testemunhal). Um terceiro meio probatório
sozinho, isolado (outros indícios da morte: sangue, cabelo da vítima etc.), a
lei não prevê. Mas junto com a prova indireta (testemunhal) pode ser que vários
outros indícios sejam encontrados (e provados). Nesse caso, tais indícios
reforçam a prova indireta. Esse conjunto probatório indireto + indiciário pode
alcançar o patamar de uma convicção que afasta todo tipo de dúvida. Isso pode
gerar condenação.
A cultura jurídica
anglosaxônica e norte-americana cunhou a expressão "beyond all reasonable
doubt" (para além de toda dúvida razoável). Esse é o patamar que deve ser
alcançado para que se afaste a presunção de inocência (do acusado). O jogo
processual (futebolisticamente falando) começa 1 x 0 para o acusado (em virtude
da presunção da inocência). Somente provas válidas e convincentes derrubam esse
placar. Ademais, não bastam provas que deixam dúvida. No caso de dúvida o jogo
probatório fica empatado (1 x 1). E a dúvida favorece o réu (in dúbio pro
reo). Para se afastar definitivamente a dúvida a prova necessita transmitir
convicção razoável (ou seja: a prova precisa expressar uma convicção
"beyond all reasonable daudt" - para além de toda dúvida razoável).
O dilema é o seguinte: se o
desaparecimento do corpo da vítima nunca permitisse condenação, estaria
garantida a impunidade (ocultando-se o cadáver). Mas condenar sem o corpo da
vítima pode levar a mais um crasso erro judicial (caso dos irmãos Naves). Nem
impunidade, nem erro judicial. Os extremos devem ser evitados. Mas todo cuidado
é necessário.
Como podemos evitar as
posições extremadas? Colhendo muitas provas técnicas. Isso é tarefa da polícia
científica (que está sucateada no Brasil, em geral). No caso Eliza, por
exemplo, já existem provas testemunhais (embora dúbias). Também já existiriam
alguns indícios (a vítima teria passado no sítio de Bruno, teria sido levada
para uma outra casa onde teria sido executada etc.). Que se pode fazer mais?
Provas periciais. Luzes e reagentes (luminol, por exemplo) podem descobrir
manchas de sangue (não visíveis). Testes de DNA. Provas dos registros
telefônicos (não se trata da interceptação telefônica). Manchas de sangue nos
carros. Uso de luzes forenses para a descoberta de pelos, cabelos, fibras de
roupas, impressões digitais etc. etc.
Uma coisa é certa: se as
provas técnicas não foram obtidas validamente ou se elas não forem
convincentes, o resultado natural do jogo processual é a absolvição (porque in
dubio pro reo). Menos declarações espalhafatosas, menos grotescos
espetáculos midiáticos e mais polícia científica: esse é o caminho do justo e
do razoável! Fora disso, só vamos ver mais exploração da paixão popularesca
vingativa (da qual a mídia, em geral, entende bastante).
FONTE:JUS NAVIGANDI
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