quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O Misterioso Desaparecimento da Condessa Dana Edita Fischerowa de Teffé


Nascida na Tchecoeslováquia, território europeu que compreende atualmente dois países:  a República Tcheca (Česká Republika) e a Eslováquia (Slovenská republika) Dana Edita Fischerowa de Teffé era de origem judaica. Pertencia ela a uma rica  família de Praga  (em tcheco Praha) e recebeu excelente educação. Versada em línguas, dominava fluentemente seis idiomas. No campo das artes, especializou-se em dança, obtendo formação clássica em ballet.
Desde há muito tempo havia no antigo Reino da Boêmia ( Čechy  em língua tcheca e Böhmen em língua alemã) uma expressiva e próspera comunidade judaica. Tamanho era o seu prestígio e enorme a sua influência que, no ano de 1354, o rei Karel IV , da dinastia dos Luxemburgos, Rei da Boêmia e Imperador Romano, concedeu à comunidade judaica de Praga o privilégio de ter sua
própria bandeira, correntemente chamada de Bandeira do Rei Davi.  Entretanto, quase quinhentos anos depois de obter este privilégio, a situação do povo judeu mudou rápida e drasticamente. Em março de 1939, as tropas de Hitler ocupam a Morávia e a área que fora o antigo Reino da Boêmia (atual República Tcheca),  anexando-a ao Terceiro Reich com o nome de Protetorado Alemão da Boêmia e Moravia.
Depois de séculos, com a invasão alemã, tudo mudou. As perseguições implacáveis movidas pelos nazistas contra a comunidade judaica da Tchecoeslováquia, inauguraram uma época de terror em toda a Europa.  A esse tempo,  Dana Fischerowa era estudante do Liceu em Praga e, como outros tantos tiveram que fazê-lo, em busca da sobrevivência,  partiu em desesperada fuga. Consta que Dana, atravessou com êxito o território de diversos países europeus e, chegando à Itália, ingressou como bailarina na companhia de revista de Odoardo Spadaro, ator, cantor e compositor italiano de prestígio internacional.
Em arte, Dana Edita Fischerowa adotou o nome de Dana Harlova passando a apresentar-se publicamente nos musicais da companhia de Spadaro. É a este tempo que Dana conhece Ettori Muti,  Tenente-Coronel da Força Aérea Real,  e também um político,  muitíssimo popular na Itália e cujos os feitos militares lhe  valeram o tratamento e o prestígio de herói nacional, além  do agraciamento com elevadas condecorações,  dente elas: a  Medalha de Ouro ao Valor Militar e a Ordem Militar de Savoia.  Muti era membro do movimento facista, desde os seus primórdios, e ocupou destacada posição na hierarquia do Partido Nacional Facista (em italiano, Partito Nazionale Fascista).  
Ettori Muti era casado com Fernanda Mazzotti, filha de um banqueiro que não concordava com o casamento. O casal teve uma filha de nome Diana.  Neste contexto de querelas familiares, Muti conhece e encanta-se por Dana.  Linda, culta e sofisticada, não é de se admirar que ela tenha exercido enorme fascínio sobre ele. Por sua vez, Mutti era um tipo marcial, imponente e heróico e, certamente, Dana Fischerowa encantou-se por ele. Nascia ali uma paixão arrebatadora. O rompimento do vínculo matrimonial de Muti era inevitável. Eles, então, passaram a conviver juntos.
Em agosto de 1943,  Ettori Muti é assassinado em Fregene, nas cercanias de Roma, em  circunstâncias ainda hoje pouco esclarecidas. Este crime é considerado o primeiro crime de Estado, após o facismo.
Após a morte de Ettori, Dana Edita Fischerowa casa-se com o diplomata brasileiro Manuel de Teffé von Hoonholtz, cuja linhagem é nobiliarquicamente titulada pelo Império do Brasil ( Barões de Teffé,  com Honras de Grandeza do Império) e pelo Reino da Prússia (Condes Von Hoonholtz).  Manuel de Teffé era diplomata e seu pai foi Embaixador do Brasil em Roma. Ele tinha por hobby o automobilismo e foi o principal responsável pela realização do Circuito da Gárvea.
Em 1951, o casal viaja para o Brasil e passa a residir na cidade do Rio de Janeiro, então Capital da República. O casal mantém, na Cidade Maravilhosa, uma efetiva participação nos principais eventos da alta sociedade. Com seus encantos de mulher bonita e culta, Dana de Teffé conquista a admiração da aristocracia brasileira e de outras camadas sociais, sendo freqüentemente mencionada nas colunas e noticiários dos mais importantes veículos de comunicação do País.
Tempos depois, o casal separa-se. Dana Fischerowa, na partilha de bens, recebe considerável fortuna em dinheiro, imóveis, títulos, jóias e ações. Mas, segundo Leopoldo Heitor de Andrade Mendes, em sua obra "Da Cortina de Ferro ao Inferno Verde”,  Ettori Muti havia legado,  à Dana Edita Fischerowa,  uma herança testamentária correspondente a uma grande fortuna.  Certamente, o patrimônio desta  bela mulher era, no mínimo, invejável.
A 29 de junho do ano de 1961, a condessa Dana Edita Fischerowa de Teffé desaparece misteriosamente. A milionária, segundo seu advogado, Leopoldo Heitor de Andrade Mendes, havia sido seqüestrada quando seguia em sua companhia em viagem do Rio de Janeiro para São Paulo.  Supostamente, Dana se empregaria na Olivetti. Ambos teriam sofrido um assalto, resultando no seu seqüestro. O advogado afirmou às autoridades que Dana, quando seqüestrada, estava grávida.  Leopoldo Heitor chegou a apresentar três versões para o sumiço de Dana. Entre 1963 e 1971, o advogado enfrentou quatro julgamentos. Finalmente, foi absolvido por júri popular. Contudo, é consenso geral, que ele matou Dana de Teffé para roubar seus bens.

Em 2003, a juíza Flávia Viveiros de Castro, da 1ª Vara Cìvel da Capital (Rio de Janeiro) determinou que a TV Globo fosse impedida de veicular no programa Linha Direta/Justiça o caso de Leopoldo Heitor de Andrade, acusado pelo desaparecimento de Dana de Teffé, há 40 anos. Se a emissora não cumprisse a decisão, pagaria então uma multa de R$ 10 milhões à família de Leopoldo Heitor, falecido em 2001. O episódio foi protagonizado pela atriz Cláudia Provedel.
O caso Dana de Teffé ainda permanece como um mistério. O jornalista e cronista Carlos Heitor Cony, costuma referir-se ao caso em sua coluna no jornal Folha de São Paulo,  onde indaga, eventualmente, " Onde estão os ossos de Dana de Teffé ". Com esta indagação o cronista se refere aos caos insolúveis no Brasil.  .
Em 2011, competar-se-á cinquenta anos do desaparecimento de Dana Teffé.



Referência Bibliográfica:
MENDES, Leopoldo Heitor de Andrade. Da Cortina de Ferro ao Inferno Verde. Ed. Equador, Rio de Janeiro, 1969.

Caso Bruno: existe homicídio sem cadáver?

Dentre tantas outras interrogações e controvérsias que o caso do goleiro Bruno está gerando, cabe recordar a seguinte: existe homicídio sem cadáver? A defesa certamente dirá que não. A promotoria vai dizer o contrário. Os jurados, no final, é que dirão sim ou não. 
Eduardo Cabette, no seu livro Homicídio sem cadáver, p. 63-64, recorda que a série de documentários intitulada “Detetives Médicos”, do canal por assinatura “Discovery Chanel”, certa vez narrou um episódio ocorrido nos Estados Unidos onde um marido matou a própria esposa, a cortou em pedaços, ensacou em sacos plásticos e a conduziu até à beira de um rio. Ali a colocou numa picadeira de feno e, aos poucos, com o jato voltado para o rio, foi se livrando totalmente do cadáver. Com o sumiço da vítima e a desconfiança dos sogros, a polícia passou a investigar e suspeitou do fato de o autor possuir uma máquina picadeira de feno, sendo que não tinha animais ou mesmo propriedade rural. Feito em exame na máquina foi constatada a presença de sangue humano e comprovado tratar-se do sangue da vítima. Pressionado pelas circunstâncias, o infrator confessou o crime e indicou o local onde havia se livrado do corpo. Em uma varredura pormenorizada foi localizada uma unha da mão da vítima; submetida a exames de DNA se comprovou pertencer mesmo a ela.
Com base nessas provas analisadas em conjunto, mesmo sem um exame necroscópico, foi obtida a condenação do assassino. Este é certamente um exemplo em que os exames de corpo de delito indiretos foram capazes de suprir o exame necroscópico direto; nada justificara o rigor do “limite probatório do corpo de delito”, o qual somente geraria uma impunidade incompreensível e injustificável. (CABETTE, Eduardo. Homicídio sem cadáver - páginas 63 e 64)
Ontem indagamos no nosso blog se é possível condenar alguém por homicídio sem o corpo da vítima. Muitos se manifestaram dizendo ser possível; não foram poucos, de outro lado, os que defenderam o contrário. Tecnicamente (pela lei e pela jurisprudência brasileiras) é possível tal condenação. Se os jurados, no caso concreto, vão aceitar essa tese, é outra coisa.
O art. 158 do CPP exige, como regra, o exame de corpo de delito direto. Diante da sua impossibilidade, pode ser feito o exame de corpo de delito indireto, via testemunhas (CPP, art. 167). Uma testemunha pode ter visto o corpo da vítima e ratificar isso dentro do processo. Se não fosse possível condenar ninguém diante do desaparecimento do corpo da vítima, isso significaria impunidade generalizada. Bastaria matar a vítima e fazer desaparecer o seu corpo.
Caso não haja a possibilidade de produzir o exame de corpo de delito direto, excepcionalmente o Estado poderá valer-se do exame de corpo de delito indireto (filmagens, gravações, vestígios de sangue, prova testemunhal etc). Lembrando que filmagens, gravações, exame de sangue etc., também serão analisadas e validadas por peritos, reforçando a veracidade e legitimidade da prova.
Fica claro que, teoricamente, não podemos negar a possibilidade de uma condenação por homicídio sem que tenha sido encontrado o cadáver, mas desde que estejam presentes outros meios de prova, sobressaindo-se a testemunhal. Paralelamente a essa prova testemunhal podem existir outros indícios. No plenário do júri tudo tem que ficar muito bem esclarecido. Os jurados somente votam pela condenação quando estão convencidos. Sabem que é melhor absolver um culpado que condenar um inocente. Em casos como do goleiro Bruno é fundamental a confiança que cada parte transmite aos jurados.

                                                                      Luiz Flávio Gomes e Danilo Fernandes

É possível o 'homicídio sem cadáver'?

Na doutrina penal, uma questão de grande relevância causa tormentosa discussão: é possível o 'homicídio sem cadáver'? Melhor explicando, é possível que haja o reconhecimento da ocorrência de um crime de homicídio sem que o cadáver da vítima tenha aparecido?
"Ensina-se, em processo penal, que, quando um delito deixa vestígios (delitos não-transeuntes), é imprescindível a realização do exame de corpo de delito (artigo 158, CPP). Corpo de delito, na definição de Sérgio Demoro Hamilton, é 'aquilo que torna o crime ou a contravenção palpável, sensível, tangível, perceptível aos sentidos'. O exame de corpo de delito é o exame pericial realizado sobre o corpo de delito. No homicídio, o corpo de delito é o cadáver. Os exames de corpo de delito relacionados são a perinecroscopia (exame em local de morte violenta – artigo 6º, I, CPP) e a necropsia (exame médico-legal realizado sobre o cadáver – artigo 162, CPP). O cadáver, portanto, é a materialidade do homicídio, é a prova indubitável da ocorrência de um evento morte.
"Assim, uma interpretação rasa do artigo 158 do CPP poderia conduzir à conclusão de que não se pode imputar um crime de homicídio a alguém no caso de desaparecimento do corpo da vítima. Todavia, a questão é mais complexa.
"De acordo com doutrinadores de escol, a exigência de exame de corpo de delito em crimes não-transeuntes é uma exceção ao princípio do livre convencimento motivado, pelo qual o magistrado pode apreciar livremente o suporte probatório carreado aos autos, sem que uma prova tenha valor maior do que as demais, desde que fundamente a sua decisão. Diz o artigo 158 do CPP que nem mesmo a confissão do acusado pode suprir a falta de exame pericial. Haveria, portanto, a consagração do princípio da prova legal ou tarifada, em que uma prova se sobrepõe às demais. O magistério, contudo, não encontra suporte na Constituição Federal de 1988. Marcellus Polastri Lima, em excelente obra, sustenta que, 'se a antinomia com o sistema do livre convencimento motivado ou da persuasão racional restava evidente (aliás, a Exposição de Motivos do CPP informa que este é o princípio reitor em matéria de provas), com o novo texto constitucional deve ser repensado o valor absoluto, por muitos defendido, do exame de corpo de delito, e se realmente a confissão do acusado não poderia ser considerada pelo juízo na falta deste'. A atual Carta Magna, em seu artigo 5º, LVI, dispõe que, em processo penal, não serão admitidas as provas obtidas por meio ilícito. Ou seja, sendo lícitas, quaisquer provas podem ser admitidas para fundamentar uma decisão. A confissão do acusado, por exemplo, se obtida em conformidade com o ordenamento jurídico, pode se prestar para embasar um decreto condenatório, ainda que não haja a realização do exame de corpo de delito.
"Ademais, ainda que não se entenda pela incompatibilidade do artigo 158 do CPP com a Constituição, deve ser observado que existem dois tipos de exame de corpo de delito, segundo a lei processual: o exame direto e o indireto. No primeiro caso, a perícia é elaborada diretamente sobre o corpo de delito (por exemplo, a necropsia realizada em um cadáver). Há, por seu turno, o exame indireto quando, desaparecidos os vestígios, outra prova pode ser tomada para comprovar a materialidade do crime. É o que dispõe o artigo 167 do CPP, tratando, especificamente, da prova testemunhal (aplicável, entretanto, a qualquer outro meio de prova idôneo, como, v. g., a prova documental). O processo penal, portanto, possibilita a condenação do agente sem a produção de prova pericial direta.
"Conclui-se, destarte, que é possível a responsabilização do agente por um crime de homicídio, ainda que esteja desaparecido o cadáver da vítima. Esposamos a idéia de que a exigência de exame de corpo de delito não é compatível com a ordem constitucional vigente. Outrossim, não havendo vestígios a serem examinados (o cadáver), admitir-se-á o exame de corpo de delito indireto. Posição contrária consagraria a impunidade e privilegiaria o agente que, além de matar a vítima, ainda oculta o seu corpo, demonstrando maior reprovabilidade em seu comportamento. Em um caso concreto ocorrido no Rio de Janeiro, um casal culposamente matou a filha recém-nascida por sufocação. Como eram estrangeiros residindo ilegalmente no país, decidiram pela ocultação do cadáver da criança, que foi esquartejado, colocado em uma bolsa e atirado em uma lagoa. O crime somente foi relatado cerca de um ano depois de ocorrido, não havendo, assim, qualquer chance de se encontrar o corpo nas águas. Várias testemunhas do fato, todavia, confirmaram a morte da criança, bem como a própria mãe, ao narrar que viu o corpo enrijecido e gelado da própria filha. Parece-nos clara a hipótese de responsabilização por homicídio culposo e ocultação de cadáver (artigo 211, CP)
                                                                                     Professor Bruno Gilaberte


quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Existe homicídio sem o corpo da vítima?





São muitos os casos rumorosos no Brasil, nesse campo (não encontro do corpo da vítima). Um deles aconteceu no Rio de Janeiro, no início da década de 60 (século XX). O corpo desta vítima nunca apareceu. Ela havia acabado de se separar do embaixador brasileiro Manuel de Teffé Von Hoonholtza. Numa viagem com o advogado Leopoldo Heitor ela desapareceu. O advogado diz que ela foi sequestrada após um assalto. A suspeita pelo desaparecimento recaiu sobre ele. Ele foi julgado pelo tribunal do júri. Foi condenado num primeiro julgamento e absolvido no segundo. Cuida-se do caso Dana de Teffé (desaparecida desde o fatídico dia em que viajava com um advogado). O corpo nunca apareceu. O suspeito foi absolvido.
Há um outro caso também bastante famoso. Na comarca de Araguari-MG, dois irmãos (irmãos Naves) foram condenados injustamente por uma morte que não existiu. Quinze anos depois da condenação a vítima reapareceu. Nessa altura um deles já havia morrido dentro da prisão. Naquele episódio, ocorrido no ano de 1937, tal como esclarece Hélio Nishiyama, os irmãos Naves chegaram a ser absolvidos duas vezes pelo Tribunal do Júri, porém, após recurso da acusação, foram condenados a pena de 25 anos e 06 meses de reclusão pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (naquela época, o veredicto dos jurados não era soberano).
Há outros casos (um PM no Distrito Federal e um juiz de direito em SP, por exemplo) em que os jurados ou juízes, mesmo sem o corpo da vítima, condenaram o réu.
Nosso Código de Processo Penal (art. 167) admite a prova indireta (testemunhal) quando o corpo da vítima desaparece. Por que existe essa regra processual? Para evitar a impunidade. Se essa regra não existisse bastaria matar a vítima e fazer desaparecer o seu corpo (para se garantir a impunidade). A doutrina avaliza esse direcionamento legal (Avena, Aury Lopes Júnior, Nucci, Tucci etc.). A jurisprudência também: STJ, HC 110.642, j. 19.03.2009; STJ, HC 79.735, j. 13.11.2007; STJ, HC 51.364, j. 04.05.2006; STJ, HC 39.778, j. 05.05.2005; STJ, HC 30.471, j. 22.03.2005; STJ, HC 23.898, j. 21.11.2002.
Sintetizando: a comprovação da morte da vítima (que constitui a materialidade da infração) exige prova direta (perícia do próprio corpo). Essa é a regra. Excepcionalmente, para suprir-lhe a falta (em virtude do desaparecimento dos vestígios), a lei processual admite a prova indireta (testemunhal). Um terceiro meio probatório sozinho, isolado (outros indícios da morte: sangue, cabelo da vítima etc.), a lei não prevê. Mas junto com a prova indireta (testemunhal) pode ser que vários outros indícios sejam encontrados (e provados). Nesse caso, tais indícios reforçam a prova indireta. Esse conjunto probatório indireto + indiciário pode alcançar o patamar de uma convicção que afasta todo tipo de dúvida. Isso pode gerar condenação.
A cultura jurídica anglosaxônica e norte-americana cunhou a expressão "beyond all reasonable doubt" (para além de toda dúvida razoável). Esse é o patamar que deve ser alcançado para que se afaste a presunção de inocência (do acusado). O jogo processual (futebolisticamente falando) começa 1 x 0 para o acusado (em virtude da presunção da inocência). Somente provas válidas e convincentes derrubam esse placar. Ademais, não bastam provas que deixam dúvida. No caso de dúvida o jogo probatório fica empatado (1 x 1). E a dúvida favorece o réu (in dúbio pro reo). Para se afastar definitivamente a dúvida a prova necessita transmitir convicção razoável (ou seja: a prova precisa expressar uma convicção "beyond all reasonable daudt" - para além de toda dúvida razoável).
O dilema é o seguinte: se o desaparecimento do corpo da vítima nunca permitisse condenação, estaria garantida a impunidade (ocultando-se o cadáver). Mas condenar sem o corpo da vítima pode levar a mais um crasso erro judicial (caso dos irmãos Naves). Nem impunidade, nem erro judicial. Os extremos devem ser evitados. Mas todo cuidado é necessário.
Como podemos evitar as posições extremadas? Colhendo muitas provas técnicas. Isso é tarefa da polícia científica (que está sucateada no Brasil, em geral). No caso Eliza, por exemplo, já existem provas testemunhais (embora dúbias). Também já existiriam alguns indícios (a vítima teria passado no sítio de Bruno, teria sido levada para uma outra casa onde teria sido executada etc.). Que se pode fazer mais? Provas periciais. Luzes e reagentes (luminol, por exemplo) podem descobrir manchas de sangue (não visíveis). Testes de DNA. Provas dos registros telefônicos (não se trata da interceptação telefônica). Manchas de sangue nos carros. Uso de luzes forenses para a descoberta de pelos, cabelos, fibras de roupas, impressões digitais etc. etc.
Uma coisa é certa: se as provas técnicas não foram obtidas validamente ou se elas não forem convincentes, o resultado natural do jogo processual é a absolvição (porque in dubio pro reo). Menos declarações espalhafatosas, menos grotescos espetáculos midiáticos e mais polícia científica: esse é o caminho do justo e do razoável! Fora disso, só vamos ver mais exploração da paixão popularesca vingativa (da qual a mídia, em geral, entende bastante).


FONTE:JUS NAVIGANDI